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terça-feira, 6 de julho de 2010

Max Weber - Fichamento da "Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo"



Pessoal, quem ministrará a aula de hoje, é o Sociólogo Geélison Ferreira da Silva, mestrando em Sociologia pela UFMG. (geelisonfs@yahoo.com.br)

O porquê do maior desenvolvimento do capitalismo nos países predominantemente protestante no final do século XIX e inicio do século XX? Por que razão havia maior número de protestantes nos países capitalistas? O livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo” de Max Weber, publicado pela primeira vez em 1904/1905 busca responder as questões acima, e compreender o capitalismo para além dos estritos campos econômicos e materiais como um modo de produção, o compreende também como espírito, ou seja, cultura – conduta de vida com fundamentos morais/éticos e simbólicos.
No corrente texto damos enfoque especial à segunda parte do livro, cujo subtítulo é “A idéia de profissão no protestantismo ascético”, que trata dos “fundamentos religiosos da ascese intramundana”, bem como de “ascese e capitalismo”. A edição por nós consultada para este trabalho é de Antônio Flávio Peirucci, publicado pela Companhia das Letras, em 2004. Para Weber a ética religiosa protestante, com seu desencantamento do mundo, próprio da modernidade, e sua valorização do trabalho profissional em si, constituem elementos essenciais, especialmente, um favorável efeito psicológico para o desenvolvimento do capitalismo (p.87).
Weber destaca especialmente quatro espécies do protestantismo ascético que exerceram esse papel, são eles: 1) Calvinismo; 2) Pietismo; 3) Metodismo; 4) Seitas Anabatistas. Não seria possível fazer total distinção ou isolamento entre os princípios destas correntes, como exemplo disso tem-se o fato de que a origem do é calvinista, passou por uma transição luterana, resultando em sectarismo que não era desejado originalmente. Outro exemplo é o caso do Metodismo que era simplesmente a igreja estatal inglesa, também, sem pretensão separatista como princípio (p.87). O Calvinismo e o Anabatismo se enfrentaram no final do século XIX, e posteriormente houve aproximação no seio da igreja Batista (p.88). 
Assim, de forma geral, o que ocorreu foi uma diferenciação gradual e progressiva entre as correntes, inclusive entre anglicanismo e catolicismo. O que há de mais fundamental no que se refere à diferença dogmática é a Doutrina da Pré-destinação protestante versus a Doutrina da Justificação tipicamente católica/luterana. Nas diversas denominações originadas de umas das quatro espécies de protestantismo aqui relacionadas ou da configuração entre quaisquer dentre elas, ocorre uma grande valorização de uma conduta de vida moral muito diferente daquilo que vigorava até então. Para Max Weber foi mais importante realizar um análise a partir das “representações da fé religiosa” do que dos compêndios de conduta ética (livros de apoio) (p. 89).
Passemos á síntese da análise que Weber faz a respeito das quatro correntes, a começar pelo calvinismo, cujo dogma característico é a Doutrina da Pré-destinação. Para Weber, para responder se essa doutrina é essência ou tendência da igreja reformada, ou seja, calvinista, deve se fazer uma imputação histórica, e não juízos de valor ou fé, assim, em seu método, Weber busca identificar efeitos histórico-culturais do dogma, que de acordo com ele foi o primeiro elemento a ser combatido pelo estado no calvinismo. Busca-se então identificar o seu conteúdo autêntico (p.90/91).
Quanto a esse conteúdo tem-se a livre vontade - o homem por vontade própria não pode preparar-se para a salvação por conta do pecado. O decreto de Deus, pelo qual alguns homens são predestinados à vida eterna de acordo com os desígnios insondáveis de Deus. “O predestinado deve alcançar seu fundamento no mundo de acordo com seu desígnio imutável.” O da vocação eficaz, que significa que ao predestinado Deus deu um coração novo, de carne, por isso ele é capaz de agir de acordo com a sua vontade. O da providência, que faz com que os maus e sem fé sejam abandonados à devassidão. (p.91/92).
Quanto ao caminho pelo qual se chegou ao dogma da predestinação, Weber considera dois possíveis: o sentimento religioso de redenção por potência divina e não por valor pessoal e o sentimento de que nosso destino individual é um mistério, impossível e arrogante sondar (p. 93/94).
Como conseqüência tem-se o sentimento de solidão interior do indivíduo. 

No assunto mais decisivo da vida nos tempos da reforma – a bem-aventurança eterna – o ser humano se via relegado a traçar sozinho sua estrada ao encontro do destino fixado desde toda a eternidade. Ninguém podia ajudá-lo. Nenhum pregador: pois somente o eleito é capaz spiritualiter {em espírito} a palavra de Deus. Nenhum sacramento: pois os sacramentos, com certeza ordenados por Deus, limitando-se apenas a ser subsidia {auxílio externos} da fé (p.95)


Percebe-se aqui, o desencantamento do mundo pela rejeição da magia sacramental como via de salvação. Já não é mais a missa, o batismo, ou a confissão que salva. Mas o indivíduo reformado, se salva de acordo com os insondáveis desígnios de Deus. Entretanto ele garante aos seus eleitos que sejam bem sucedidos na vida terrena para que seja demonstrada sua glória, além de que o seu comportamento como eleito, deve estar em conformidade com a vontade de Deus. Afinal somente para isso deve servir a vida do santo. De acordo com Weber esse processo de desencantamento teve início com as profecias, pois a partir delas tem-se a figura de um Deus que demanda uma conduta ética já com certa sistematização.
O puritano tem, portanto, um posicionamento negativo ante quaisquer elementos de ordem sensorial e sentimental na cultura e religiosidade subjetiva. Pratica-se a recusa da cultura dos sentidos de forma genérica. Como resultado tem-se o isolamento individual como conseqüência da doutrina. 

Se bem que a pertença à verdadeira igreja fosse uma condição necessária inerente à salvação, a relação do calvinista com seu Deus se dava em profundo isolamento interior (p.97).

O trabalho do calvinista existe como o objetivo único de aumentar a gloria de Deus. Ele e se dá como cumprimento da missão vocacional profissional com caráter objetivo e impessoal: o trabalho pelo trabalho é apresentado no utilitarismo calvinista (p.99/100).
Já que Deus escolheria seus eleitos como lhe aprouver, como então, ter certeza de ser um eleito, já que os eleitos não se diferenciam em nada dos demais? Restava ao puritano permanecer na confiança até o fim, portanto, deveria agir como tal. A falta de convicção dos incrédulos se daria pela insuficiência de sua fé. Sendo, portanto, atuação insuficiente da graça de Deus. Parece não haver como saber se vai ser salvo, entretanto, tem como se saber quem não vai ser. Aparentemente, o cristão puritano é movido pelo medo de não ser salvo. Quotidianamente ele precisa demonstrar com sua conduta ética que é um eleito (p.100).
Ficam claras as diferenças entre o puritano e o luterano. A graça que para o  luterano é prometida aos humildes e penitentes, passa a ser dos “santos” auto-confiantes cuja ilustração pode ser encontrada nos empresários e comerciantes puritanos. O trabalho sem descanso seria o meio eficaz de conseguir esta autoconfiança e a certeza de estado de graça. 
No luteranismo a justificação se dá pela fé, enquanto a sensação do divino como sensação substancial de Deus desempenha um papel essencial. Isto em combinação com o sentimento de indignidade pelo pecado requer a manutenção da penitencia quotidiana, através da humildade e simplicidade pelo perdão dos pecados. Já no puritanismo o crente é receptáculo e ferramenta da potencia de Deus. O receptor e ferramenta de Deus, ao se portar como tal, fornece o certificado para o seu próprio estado da graça (p.102).
Para o calvinismo os sentimentos são enganosos e a fé precisa ser comprovada por efeitos objetivos, ou seja, o cristão deve conduzir sua vida de forma a aumentar a glória de Deus. Apesar de incapazes por esse meio de obter as bem-aventuranças, a boa obra é imprescindível como sinal de graça e eleição. Tem-se, assim, o meio técnico não de comprar a salvação, mas de perder o medo de não tê-la (p. 104). O puritano cria, ele mesmo, a certeza da bem-aventurança. A vida do santo é voltada para o transcendente, por isso, sistematicamente racionalizada (p. 105).
Além das profecias, Weber destaca outro marco de racionalização/sistematização da fé, que seria a vida monástica, mas para ele, é no puritanismo que se dá o densancantamento do mundo na vida profissional como vocação natural do homem para o trabalho, produzindo para si o certificado da graça enquanto demonstra e presta favores á glória de Deus. O objetivo é comprovar a fé na vida profissional mundana (p.110).
A santificação da vida do puritano passa a ser então administrada como uma empresa. Essa administração da conduta quotidiana é impulsionada pelo efeito psicológico produzido pela pedra angular da igreja reformada, que é a doutrina da predestinação (p.113).
Weber também trata do pietismo, que é categorizado por ele como uma corrente ascética do calvinismo. Pelo pietismo teria ocorrido a radicalização da ascese calvinista na Inglaterra. Seria um movimento ascético ligado a doutrina da predestinação. Nessa corrente as questões dogmáticas relegadas ao segundo plano, uma vez que não seria possível comprovar a condição de eleito (p.119).
O pietismo queria tornar visível a igreja invisível dos santos. Saborear neste mundo, a ascese intensificada, a comunhão com Deus e a bem-aventurança. Ao contrario o que ocorria no calvinismo, tinha-se cultivo do lado sentimental. Ocorria a alternância de histeria e momentos de letargia nervosa, com ressentimento pelo afastamento de Deus. É uma corrente sentimentalista, diferente da racionalidade Calvinista (p.119).
Entretanto, o sentimento, inclusive o de ser um verme, nos momentos de ausência de Deus, poderia resultar em motivação para esgotar a energia na vida profissional. Assim, também no pietismo, o certificado da salvação é encontrado na vida profissional mundana. Ademais, o pietismo requer maior controle ascético, na vida profissional, e honestidade. 
O pietismo também ocorreu em terreno luterano, em que se afasta da doutrina da predestinação. Significou a penetração da conduta de vida metodologicamente controlada, isto é, conduta de vida ascética, mesmo em zonas de religiosidade não calvinista. Logo, tinha a predominância do elemento ascético racional. Ele corrobora para desenvolvimento metódico da santidade pessoal,  bem como para trazer a confiança de que providencia de Deus concedia a graça (p.120).
O trabalho profissional é o meio ascético por excelência, e Deus abençoaria o sucesso no trabalho. É estabelecida uma aristocracia dos regenerados.  No ano de 1729 luteranos tinham posição parecida com a da aristocracia calvinista dos santos e se orientavam pela ética profissional calvinista. O justificado pode não reconhecer sua condição, mas os outros podem fazê-lo pela observação de sua conduta, bem como pela manifestação da graça de Deus em sua vida. A comunidade dos irmãos como também funcionava como uma empresa comercial que demandava tarefas (p. 122:124).
Ao se tentar estabelecer diferenças entre Luteranos e calvinistas, encontra-se, que o luterano busca a salvação dos pecados, manifestada pelo sentimento de reconciliação com Deus ainda no mundo, enquanto o calvinista, busca a santificação prática, racional planejada. Entretanto, o sentimento no luterano estimula ação racional (p.125).
Outra corrente que desempenha papel fundamental de acordo com Weber é o metodismo. No metodismo também ocorre indiferença quanto a fundamentos dogmáticos e uma religiosidade sentimental ascética, bem como, sistematização de toda conduta de vida a fim de alcançar o certificado da salvação. Tem-se uma “... ética ascética marcada com o selo do puritanismo.”.  Percebe-se a presença da idéia puritana de que as obras não são a causa real da graça, mas causa de conhecimento deste estado (p.127).
Entretanto, ao contrario do que ocorre no puritanismo, tem-se sentimentalismo, experimentação da graça e batalha penitencial, a despeito da comprovação sistemática quotidiana praticada pelo puritano, apesar de que, continua sendo indispensável a comprovação, como sentimento de proximidade com Deus, produzindo sinais de mudança de conduta que eram semelhantes a do calvinismo (p.128:130).
A ultima corrente que Weber trata é a das seitas anabatistas e batistas. Para Max Weber, diferentimente do metodismo e do pietismo, o anabatismo é o lado autônomo da ascese protestante. Formavam a comunidade dos crentes e regenerados, não como igreja, mas como seita. Essa tendência ao regenerado pode ser observada pelo batismo adulto, fase da vida onde é possível que essa regeneração tenha ocorrido. O foco é a apropriação interior da obra de redenção de Cristo, através da ação do espírito divino no indivíduo (p.130:131).
Tem-se nos primeiros anabatistas uma rigorosa evitação do mundo, além da idéia de revelação continuada colocando de lado a autocracia da Bíblia e valorizando a luz interior da revelação. Romperam com os resquícios da doutrina da salvação, como também, desvalorizarão os sacramentos como meio de se salvar. O que também pode ser interpretado como desencantamento. Os anabatistas tinham anseio por comunidades puras, cuja conduta dos membros deveria ser imaculada (p. 131:134).
Logo, novamente tem-se a necessidade das obras, não como condição, mas demonstração da graça de Deus. Deus deveria falar, para a criatura que deveria se calar. Assim, tem-se a demanda de uma ponderação severa, ou seja, ascese intramundana, sistematização prática da fé – desencantamento. As virtudes ascéticas confluíram para o trabalho profissional, apolítico. E a honestidade é a melhor política. A energia acumulada era liberada na economia privada (p.137).
O que percebemos como mais decisivo para o desenvolvimento do capitalismo em qualquer das quatro correntes foi a concepção de estado da graça, da mesma forma, a separação da danação do mundo, sem meio mágico sacramental, mas pela comprovação manifestada pela conduta, além do estimulo individual ao controle metódico. Tem-se, contudo, a ação psicológica da religião sobre o indivíduo, resultando em influencia tanto cultural, quando promove o desencantamento do mundo, racionalização e individualismo, quanto material/econômico, quando a cultura religiosa favorece o o acúmulo e desenvolvimento do capital. Esse grande feito da ascese se dá pelo fato de assegurar/certificar a bem-aventurança.
De acordo com Weber, não fazemos idéia de como era a influencia do líder na religião antes da modernidade. Ademais, a riqueza era anteriormente tida como riqueza como perigo, sendo, portanto, moralmente reprovável. Enquanto o Calvinismo não via obstáculo na riqueza, ao contrário, via aumento de prestígio, não somente ao rico, mas demonstrava a glória de Deus. Invés de se condenar a riqueza, é condenado o descanso sobre a posse, gozo do dinheiro com ócio e prazer carnal e abandono da aspiração da vida santa (142:143).
O que passa a ser mais grave e condenável é perda de tempo, que seria para o calvinista o primeiro e mais grave de todos os pecados. O tempo da vida é curto e precioso para consolidar a vocação.  O tempo perdido é considerado trabalho subtraído da gloria de Deus. Tem-se a desvalorização da contemplação frente ao trabalho profissional. O trabalho passa a ser o fim da vida em si, prescrito por Deus. A falta de vontade de trabalhar é sintoma de ausência de graça (p.143:144).
Enquanto para Tomás de Aquino, a exemplo da postura medieval o trabalho servia somente para sobrevivência humana, no puritanismo todos são chamados, ou seja, tem vocação ao trabalho. Enquanto em Lutero existe certa resignação, no sentido de que o indivíduo deve permanecer nas condições que Deus lhe confiou. No puritanismo é pelo fruto que se reconhece qual será o fim. O servo deve multiplicar a moeda recebida. Passa haver o imperativo do ter (p. 145).
Tem-se a condenação a não existência de profissão fixa, o que favorece a especialização e a divisão do trabalho. A profissão passa a ser utilizada tendo como base critérios morais, a servir a bem coletivo, mas, principalmente e muito mais importante pela capacidade de produzir lucro.
Para Weber, o Judaísmo produziu o ethos do desenvolvimento capitalista medieval e moderno, que culminou no capitalismo aventureiro. Sendo assim, em que a concepção puritana de vocação profissional e a exigência de uma conduta de vida ascética haveria de influenciar diretamente o desenvolvimento do estilo de vida capitalista? (p.151).
Em primeiro lugar, a ascese é contra o gozo descontraído da existência. Toda designação de comportamento irracional, sem finalidade, não ascético, não servia a gloria de Deus. Rejeita-se a divinização da criatura. O homem se torna o administrador dos bens que a graça de Deus lhe dispensou (p.154:155).
A ascese intramundana estrangulou o consumo (no seu início), mas produziu o efeito psicológico de liberar o enriquecimento dos entraves da ética tradicional. A luta travada é contra o uso irracional da posse, não contra o ganho. Ainda, esse estrangulamento do consumo favoreceu a acumulação de capital. Tem-se uma compulsão ao acúmulo de capital e uma tendência a conduta econômica racional. 
A concepção puritana de vida fez a cama para o “homo oeconomicus” moderno. Da resolução da tensão religiosa em virtude profissional, e do definhamento da raiz religiosa original, sobra a intramundanidade utilitária. Surge o ethos profissional especificamente burguês (p.159: 161).
Estimulo psicológico, concebeu o trabalho como vocação profissional, muitas vezes, como único meio de certificar a graça. O trabalhador moderno é impulsionado a vocação profissional, enquanto o empresário moderno é impulsionado ao lucro. (p. 162:163). A ascese dominando a moralidade intramundana determina com pressão avassaladora a vida de todos os indivíduos, é o que Max Weber chama de jaula de ferro.
Em síntese, “A conduta de vida racional, fundada na idéia de profissão como vocação, nasceu do espírito da ascese cristã.(p.164)” .

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